100 anos de falecimento do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador da nossa Faculdade. Estamos publicando este texto em sua homenagem, de autoria do Prof. Dr. André Mota, Diretor do Museu Histórico da FMUSP, por ocasião do centenário do seu falecimento.
No dia 05 de junho de 1920 ocorreu na cidade de São Paulo o falecimento de Arnaldo Vieira de Carvalho, um dos mais reconhecidos médicos brasileiros. Nascido em Campinas no dia 05 de janeiro de 1867, Arnaldo era filho de Carolina Xavier de Carvalho e de Joaquim José Vieira de Carvalho, advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, sendo, a partir de 1881, catedrático de Economia Política desta mesma instituição. Além disso, foi Juiz Municipal em Campinas, deputado provincial pela União Conservadora, vice-presidente da Província de São Paulo do governo de Francisco Antonio Dutra Gonçalves. Com a República, foi deputado estadual e senador.
Arnaldo sentiu a influência de seu sobrenome em sua volta a São Paulo, depois de sua diplomação, em 1888, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro dados os cargos a que logo foi designado: entre 1888 e 1889, foi assistente voluntário da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e médico responsável pela Hospedaria dos Imigrantes, da qual se demitiu em 1889. Nesse mesmo ano, foi médico-adjunto, médico cirurgião e vice-diretor clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Entre 1893 e 1913, foi diretor do Instituto Vacinogênico; em 1894, foi nomeado chefe da clínica e diretor do hospital da Santa Casa e, entre 1895 e 1920, fundador e sócio da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
Escrevendo artigos na imprensa sob o pseudônimo de Epicarnus, entrou em várias polêmicas sobre os rumos da cidade, do estado e do país, no que dizia respeito a questões de saúde e de organização médica. Via a capital paulistana como um local de agregação de sua corporação, mas profundamente desorganizado e com problemas sociais gravíssimos – considerava que a medicina era capaz de intervir e solucionar esse impasse, inclusive, formando seus próprios profissionais.
Com isso em vista, Arnaldo encabeçou as reivindicações dos membros da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo para que fosse cumprida uma lei promulgada ainda em 1891 que previa a criação uma escola médica pública em solo paulista. Após uma intensa articulação entre a corporação médica e a administração estadual, o então Presidente do Estado de São Paulo, Francisco de Paula Rodrigues Alves, assinou a Lei nº 1357, de 19 de dezembro de 1912, que implantou a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Arnaldo Vieira de Carvalho foi nomeado Diretor da instituição, sendo o responsável pela escolha dos nomes que formaram o seu corpo docente. Em sua luta por fazer da escola médica um reconhecido espaço de desenvolvimento científico, Arnaldo articulou uma ambiciosa parceria com a Fundação Rockefeller, que buscava bases científicas na América Latina no sentido de centralizar uma visão institucional vinda dos Estados Unidos. Tal aliança começou a ser gestada em 1916, com a solicitação da diretoria da faculdade para que a Fundação apoiasse o estabelecimento de duas cadeiras – higiene e patologia –, com trabalhos a serem iniciados em 1918.
Os norte-americanos construíram os termos propostos justificando sua decisão pela aproximação do Brasil e dos Estados Unidos a partir da I Guerra Mundial, pela base intelectual e científica que o Estado de São Paulo já tinha, além do fato de ser uma escola jovem, sem vícios ou tradições que obstassem os planos da Fundação. Tal parceria se desdobrou na criação de novos departamentos, na formação de estudantes brasileiros em universidades e instituições norte-americanas, no financiamento do estruturado e suntuoso edifício-sede da Faculdade, nos altos do Araçá. Já a construção do hospital-escola da Faculdade de Medicina ficaria sob a responsabilidade do governo paulista. Por isso, o Hospital das Clínicas seria inaugurado, um pouco mais adiante, em 1944.
Cabe lembrar na atuação médica de Arnaldo Vieira de Carvalho, quando encampou, embalado, sobretudo, pela influência da medicina europeia, linhas de frente no combate a algumas endemias e epidemias em território paulista. Quando dirigiu o Instituto Vacinogênico colaborou com a ampliação da produção dos insumos necessários para o combate à varíola, doença responsável por grande número de óbitos naquele momento. Dentre as ações que desenvolveu no curto período em que esteve à frente do Hospital da Hospedaria dos Imigrantes, destaca-se a redistribuição dos pacientes em novas alas e a organização do necrotério ali presente a fim de frear a transmissão da febre amarela que se alastrava com grande velocidade entre os imigrantes que ali chegavam. Além disso, Arnaldo Vieira de Carvalho foi uma das figuras centrais na luta contra a epidemia de gripe espanhola, em 1918. Nesta ocasião, ele supervisionou a construção de hospitais de campanha, organizou cerca de mil leitos da Santa Casa de Misericórdia, instituição da qual era o diretor clínico, para o tratamento dos indivíduos infectados pela gripe e mobilizou os professores e alunos da Faculdade de Medicina para coordenar e atuar nos postos de atendimento médico espalhados pela cidade. A Faculdade cedeu, ainda, laboratórios e pesquisadores que se dedicaram às pesquisas para melhor compreender os efeitos da gripe e buscar formas mais efetivas de tratamento e a Cátedra de Medicina Legal, por sua vez, realizou inúmeras necropsias e lançou estudos na tentativa de contribuir com a elucidação dos mecanismos de ação da doença no sistema respiratório.
Arnaldo Vieira de Carvalho faleceu no dia 05 de junho de 1920, com 53 anos, em decorrência de uma contaminação sofrida em uma cirurgia realizada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Seu óbito decorreu numa série de manifestações de pesar, tendo sido acompanhada pela imprensa médica e jornalística. O prefeito de São Paulo, Firmiano Pinto, enviou uma coroa como homenagem da cidade, o que também fez Arnaldo de Aguiar, vice-presidente em exercício da Câmara Municipal de Santos. A Câmara Federal emitiu uma nota de pesar pelo falecimento de Arnaldo e Sociedade de Medicina e Cirurgia resolveu tomar luto 8 dias, encerrando a sede social. As faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro designaram representantes para homenagear o colega falecido. Já a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo ficaria em luto por 8 dias, suspendendo todos os trabalhos, nomeando uma comissão para apresentar as condolências à família Vieira de Carvalho.
Quando a nova sede da Faculdade abriu suas portas, em 1931, foi inaugurado busto, em bronze, de seu fundador à frente do pavilhão principal do edifício, o que contribuiu para que o prédio fosse reconhecido, através dos anos, como “a casa de Arnaldo”. Neste mesmo ano a Avenida Municipal, local em que a Faculdade se instalou, passou a ser denominada Avenida Dr. Arnaldo, que passou a ser uma das via das mais movimentadas da capital paulista. Assim, ao completar-se o centenário de seu falecimento, a memória de Arnaldo Vieira de Carvalho segue lembrada através das instituições em que atuou e seguem, ainda hoje, ocupando papel de relevância no ensino, pesquisa e assistência médica em São Paulo.
Comissão das homenagens ao centenário de morte de Arnaldo Vieira de Carvalho
Diretoria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo | Comissão de Cultura e Extensão Universitária – FMUSP | Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” – FMUSP | Museu do Centro de Medicina Nuclear Prof. Alípio Luiz Dias Neto | Associação dos Antigos Alunos da FMUSP | Associação dos Professores Eméritos da FMUSP | Núcleo Técnico e Científico de Humanização do HC-FMUSP | Fundação Faculdade de Medicina | Centro Acadêmico Oswaldo Cruz – FMUSP | Liga de Combate à Sífilis e outras ISTs | Jornal O Bisturi | Liga de Combate à Febre Reumática | Revista de Medicina | Assessoria de Comunicação - FMUSP